Escolas Literárias: Semana da Arte Moderna - S.A.M. (1922)

Capa do catálogo da exposição, como desenho de Di Cavalcanti

Antecedentes

Antes de 1922, houve acontecimentos artísticos (exposição de pinturas, publicação de livros e jornais) que continham linhas das vanguardas européias, que mostravam uma cor e um “jeito” brasileiro de manifestar-se, que contestavam a elite parnasiana dominante e refletiam uma situação social (especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro) característica de um país em mudança, industrializando-se e abrigando milhares de imigrantes europeus.

Esses acontecimentos, paulatinamente, criaram um quadro propício para a eclosão do pensamento modernista, ocorrida na Semana da Arte Moderna.





Alguns exemplos:

  • 1911 – Publicação do jornal O Pirralho (caricaturas e irreverências), sob a direção do paulista Oswald de Andrade e do paranaense Emílio de Menezes.

  • 1912 – Oswald de Andrade retorna da Europa trazendo as idéias do Futurismo.

  • 1913 – Exposição de pinturas expressionistas de Lasar Segall em São Paulo e em Campinas.

  • 1914 – A pintora Anita Amlfatti vem da Europa e expõe desenhos antiacadêmicos na Casa Mappin, em São Paulo.

  • 1917 – Publicação de Há um Gota de Sangue em Cada Poema, de Mário de Andrade; Nós, de Guilherme de Almeida; Juca Mulato, de Menotti Del Picchia;A Cinza das Horas, de Manuel Bandeira – todos com uma proposta literária deferente, antiacadêmica, antiparnasiana.

  • 1917/1918 – Anita Malfatti expõe cinqüenta e três trabalhos (pinturas, gravuras, caricaturas, aquarelas) e essa exposição torna-se estopim do Modernismo, em virtude da polêmica criada por Monteiro Lobato com o textoParanóia e Mistificações, publicado no jornal O Estado de São Paulo.

  • 1919 – Manuel Bandeira publica Carnaval, antecipando o verso livre moderno.

A Semana

A Semana da Arte Moderna reuniu poetas, pintores, escultores, músicos e intelectuais que apresentaram sua arte modernista nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, nos salões e escadarias do Teatro Municipal de São Paulo.

Principais participantes

  • Música: Heitor Vila-Lobos, Guiomar Novaes e Ernani Braga;

  • Literatura: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Ronald de Carvalho, Menotti del Picchia, Guilherme de Almeida, Plínio Salgado, Sérgio milliet, Afonso Schimidt, Graça Aranha;

  • Pintura: Anita Malfatti, Di Cavalcanti;

  • Escultura: Victor Brecheret.

Houve, nos três dias da Semana da Arte Moderna, conferências, recitais, exposição de pinturas e esculturas. O momento mais sensacional aconteceu no segundo dia, quando Ronald de Carvalho declamou o poema Os Sapos, do poeta pernambucano-carioca Manuel Bandeira. Esse poema é uma violenta ironia aos parnasianos que ainda dominavam o gosto do público. A reação se deu por vaias, gritos, apuros, mas, em sua iconoclastia, o poema delimitava o fim de um época cultural.

Os Sapos demonstraram que, em um primeiro momento, as intenções da Semana da Arte Moderna eram estéticas.

OS SAPOS

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Por que os sapos? Uso do poema-piada, visando ridicularizar o academismo, a retórica melosa e o preciosismo vocabular.

Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi:
- “Meu pai foi a guerra!”
- “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano, aguado,
Diz: - “Meu cancioneiro
É bem martelado”.

Sapo-tanoeiro: crítica sutil a Olavo Bilac, o príncipe dos poetas.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Consoante de apoio: consoante que forma sílaba com a última vogal tônica de um verso (joio-apoio).

Vai por cinqüenta anos
Que lhe dei a norma:
Reduzis sem danos
A forma a forma.

Forma (ó), objetivo da perfeição parnasiana, tranforma-se em forma (ô).

Clame a saparia
Em críticas céticas
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas ...

Urra o sapo-boi:
- “Meu pai foi rei?” – “Foi!”
- “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”
Brada em assomo
O sapo-tanoeiro:
“A grande arte é como
Lavor de Joalheiro.”

Poeta-ourives, poema-jóia: ideais parnasianos.

Ou bem de estuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta o martelo.

Outros sapos-pipas
(Um mal em si cabe)
Falam pelas tripas:
- “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé.
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio ...

Sapo-cururu: autêntico, verdadeiro, sem empostação acadêmica.

A Semana da Arte Moderna, em um segundo momento, manifestou-se com preocupações ideológicas. No poema Ode ao Burguês, Mário de Andrade satirizou a burguesia paulista pelas injustiças sociais cometidas em nome do lucro.

ODE AO BURGUÊS

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
O burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
É sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros!
Que vivem dentro de muros sem pulos,
E gemem sangue de alguns mil-réis fracos
Para dizerem que as filhas da senhora falam o francês

E tocam os Printemps com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará sol! Choverá? Arlequinal!
Mas a chuva dos rosais
O êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
Ao burguês-cinema! Ao burguês-tílburi!
Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano!
- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
- Um colar ... – Conto e quinhentos !!!
Mas nós morremos de fome!
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! 
purré de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! Oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infância!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!

Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
Sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marca!
Todos para a central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
Cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!...

Momentos Posteriores à S.A.M.

Após a Semana da Arte Moderna, até 1930, os modernistas, na ânsia de sedimentar suas idéias de mudança e de brasilidade, criaram revistas e manifestos.

Revista Klaxon (1922)

Uma revista diferente, cuja proposta era a inovação. Seu artigo de abertura vale como um autêntico manifesto modernista.

Capa da Revista Klaxon
Capa do número 1 da revista Klaxon, de maio de 1922, mostrando uma ousadia gráfica inusitada para a época.

(fragmento)

Klaxon sabe que a vida existe. E, aconselhado por Pascal, visa o presente. Klaxon não se preocupará de ser novo, mas de ser atual. Essa é a grande lei da novidade.

Klaxon sabe que o progresso existe. Por isso, sem renegar o passado, caminha para diante, sempre, sempre.

Klaxon não é exclusivista. Apesar disso jamais publicará inéditos maus de bons escritores já mortos.

Klaxon não é futurista.

Klaxon não é klaxista.

Klaxon cogita principalmente de arte. Mas quer representar a época de 1920 em diante. Por isso é polimorfo, onipresente, inquieto, cômico, irritante, contraditório, invejado, insultado, feliz.

Manifesto Pau-Brasil (1924)

Criado por Oswald de Andrade, esse manifesto propunha a redescoberta do Brasil pós-Cabral, ou seja, uma literatura primitiva, cujas raízes fossem o folclore brasileiro e a fala popular.

(fragmento)

A Poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.

A língua sem arcadismos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.

Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A vegetação. Pau-Brasil.

Manifesto do Grupo Verde-Amarelo e do Grupo Anta (19224 e 1928)

O verde-amarelismo de Plínio Salgado, Menotti Del Picchia e Cassiano Ricardo defendia o ufanismo e se constituiu na versão tupiniquim do nazi-fascismo.

(fragmento)

O grupo “verdamarelo”, cuja regra é a liberdade plena de cada um ser brasileiro como quiser e puder; cuja condição é cada um interpretar o seu país e o seu povo através de si mesmo, da própria determinação instintiva; - o grupo “verdamarelo”, à tirania das sistematizações ideológicas, responde com sua alforria e a amplitude sem obstáculos de sua ação brasileira. (...) Aceitamos todas as instituições conservadoras, pois é dentro delas mesmo que faremos inevitável renovação do Brasil, como o fez, através de quatro séculos, a alma da nossa gente, através de todas as expressões históricas.

Nosso nacionalismo é “verdamarelo” e tupi. 

Revista Festa (1927)

Um grupo de poetas, liderados pelo paranaense Tasso da Silveira e por Cecília Meireles, fundou a Revista Festa, cuja proposta era imprimir uma direção espiritualista às renovações literárias brasileiras.

(fragmento)

A arte é sempre a primeira que fala para anunciar o que virá.

E a arte desse momento é um canto de alegria, uma reiniciação na esperança, uma promessa de esplendor.

Passou o profundo desconsolo romântico.

Passou o estéril cepticismo parnasiano.

Passou a angústia das incertezas simbolistas.

O artista canta agora a realidade total:

A do corpo e a do espírito,

A do homem e a de Deus,

Canta-a, porém, porque a percebe e compreende

Em toda a sua múltipla beleza,

Em sua profundidade e infinitude.

Manifesto do Grupo Verde, de Cataguazes-MG (1927)

Um grupo mineiro (no qual estava o jovem poeta Carlos Drummond de Andrade) deu o seu grito de guerra e de independência.

(fragmento)

“Somos nós. Somos VERDES. E este manifesto foi feito especialmente para provocar um gostosíssimo escândalo interior e até vaias íntimas.

Não faz mal, não. É isso mesmo.

Acompanhamos São Paulo e Rio em todas as suas inovações e renovações estéticas, quer na literatura como em todas as artes, não fomos e nem somos influenciados por eles, como querem alguns.

Não temos pais espirituais. Ao passo que outros grupos, apesar de gritos e protestos e o diabo no sentido do abrasileiramento de nossos motivos e de nossa fala, vivem por aí a pastichar o modus bárbaro do sr. Cendars e outros franceses escovados ou pacatíssimos.

Não temos pretensão alguma de escanchar os nossos amigos. Não. Absolutamente.

Queremos é demonstrar apenas a nossa independência no sentido escolástico, ou melhor, partipario.

O nosso movimentoVERDE nasceu de um simples jornaleco da terra – JAZZ BAND. Um pequeno jornalzinho com tendências modernistas que logo escandalizaram os pacatíssimos habitantes desta Meia-Pataca. Chegou-se mesmo a falar em bengaladas ...

E daí nasceu a nossa vontade firme de mostrar a esta gente toda que, embora morando em uma cidadezinha do interior, temos coragem de competir com o pessoal lá de cima.

Manifesto Antropófago

A partir das idéias sugeridas por Abaporu (aba: homem; poru: que come carne humana), pintura de Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade lança o Manifesto Antropófago, materializado na Revista de Antropofagia, fundado por ele mesmo e pelo poeta Raul Bopp.

Aboparu
Aboparu, pintura de Tarsila do Amaral, de 1928.

Fragmento da Revista de Antropofagia

Não o índio. O indianismo é para nós um prato de muita substância. Como qualquer outra escola ou movimento. De ontem, de hoje e de amanhã. Daqui e de fora. O antropófago come o índio e come o chamado civilizado: só ele fica lambendo os dedos. Pronto para engolir os irmaõs.

Assim a experiência moderna (antes: contra os outros; depois: contra os outros e contra nós mesmos) acabou despertando em cada conviva o apetite de meter o garfo no vizinho. Já começou a cordeal mastigação.

Aqui se processará a mortandade ( esse carnaval). Todas as oposições se enfrentarão. Até 1923 havia aliados que eram inimigos. Hoje há inimigos que não aliados. A diferença é enorme. Milagres do canibalismo.

No fim sobrará um Hans Staden. Esse Hans Staden contará aquilo de que escapou e com o dados dele se fará a arte próxima futura.

É pois aconselhando as maiores precauções que eu apresento ao gentio da terra e de todas as terras a libérrima Revista de Antropofagia.

E arreganho a dentuça.

Gente: pode ir pondo o cauim a ferver.

Fragmento do Manifesto Antropófago

Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

Tupy, or not tupy that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicilogia impressa.

Reafirmando as propostas do Modernismo, pode-se reescreve-las, resumidamente, da seguinte forma:

  • Antipassadismo;

  • Antiacademia;

  • Antiparnasianismo;

  • Anarquia, delírio;

  • Liberdade total;

  • Emprego da fala brasileira, do jeito brasileiro, busca da expressão nacional;

  • Humor, piada, paródia;

  • Verso livre (sem métrica);

  • Verso branco (sem rima);

  • Antigramática.

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