O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA NO BRASIL
 
ILÁZARO FIGUEIREDO
 
 

                  O ensino de língua estrangeira no Brasil sempre foi discriminatório. Nosso sistema de ensino fundamental e médio, tanto público como particular, tem mostrado uma incapacidade de proporcionar um bom ensino de língua estrangeira. Por isso, tantos recorrem aos cursos de idiomas. Acreditamos que o ensino de língua estrangeira possa ser democratizante, mas isto exige uma redefinição de valores e comportamentos. O papel do professor e da educação, mesmo na era da informática,  continua sendo importante. O acesso ao conhecimento torna-se, cada vez mais, uma das maiores exigências no campo da cidadania. No Brasil, esta necessidade aumenta, devido aos longos períodos de elitização educacional, exclusão e desigualdade social. Precisamos, conscientes de nosso papel, reverter esta tendência, com iniciativas que visem a extensão do acesso de outras camadas da população ao conhecimento de uma língua estrangeira, como uma estratégia de democratização do poder. Por isso é tão importante que professores de língua estrangeira levem a sério esta gigantesca tarefa que é levar o aluno à superação de preconceitos para levá-lo à inclusão social que nada mais é do que seu direito como cidadão deste país e do mundo.

 

DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À LÍNGUA ESTRANGEIRA

 

            O conhecimento em língua estrangeira é hoje considerado um direito, um requisito para o exercício de uma cidadania plena, não apenas para os alunos em fase escolar, mas para a maioria da população. Entretanto, para que se viabilize como um instrumento eficaz nesta época em que se encurtam as distâncias físicas mas, em muitos casos, se aprofundam as distâncias sociais, é preciso pensar na construção de alternativas concretas que representem, na prática, iniciativas de democratização em todos os níveis, e, relevantemente, no campo do acesso ao conhecimento.

             A democratização do acesso à língua estrangeira  está intrinsecamente ligada ao tema da diversidade cultural que vem adquirindo crescente importância na atualidade. São notórios os conflitos étnicos em nível mundial e a criação de práticas racistas oriundas de preconceitos, estereótipos, intolerância cultural e incapacidade de compreender a dinâmica diferenciada das diversas culturas dos povos. Os conflitos mundiais têm recuperado o tema da diversidade cultural como uma prática prioritária inclusive em nível de práticas globais.  Neste sentido, o ensino de língua estrangeira deve apontar para uma perspectiva plurilíngue, que considere as especificidades dos grupos com os quais atua.

 

 

 

 

 

 

A SUPERAÇÃO DAS DESIGUALDADES

 

  A superação da desigualdade de oportunidades de acesso ao conhecimento é um aspecto relevante quando falamos de uma realidade tão excludente quanto à brasileira. A ampliação do universo cultural é um direito de cidadania e pode ser a justificativa da importância do ensino de línguas estrangeiras na escola pública, composta em sua maioria de indivíduos oriundos de classes populares, excluídos do acesso às riquezas produzidas pela sociedade e marginalizados em termos sociais e culturais.

                 O domínio de língua estrangeira auxilia o educando  em seu processo de auto-afirmação, recuperação ou afirmação da auto-estima, à superação do sentimento de impotência que tão freqüentemente acomete os indivíduos das classes mais populares nos processos educativos na realidade brasileira.  

 

IDENTIDADE LINGÜÍSTICA 

 

                 Não é somente o universo populacional que deve ser alargado, mas também o campo das ofertas em língua estrangeira, garantindo inclusão da diversidade cultural. A noção da diversidade cultural torna-se negativa quando existe uma relação política, econômica e cultural com o país de origem da língua, que pressupõe  superioridade estrangeira e uma conseqüente geração de complexo de inferioridade nacional. O ensino da língua  estrangeira  com  uma  perspectiva  democratizante deve contribuir para superar esta relação, construindo uma visão intercultural que equilibre a valoração das mais diversas contribuições culturais, mas negando a hierarquia entre as mesmas. 

                  A superação do sentimento de inferioridade cultural ocorrerá exatamente por um trabalho de desmistificação junto ao educando, no sentido de esclarecer serem os fatores de ordem sócio-econômica - e não cultural ou lingüístico - os que classificam as classes populares como cultural e lingüisticamente inferiores, dando margem aos preconceitos de diversos tipos. Este sentimento de inferioridade é um dos obstáculos afetivos ao aprendizado da língua estrangeira. Cabe a nós, professores de língua estrangeira, o resgate de nossos valores e de nossa cultura através de nosso trabalho com este objetivo.  

 

A LÍNGUA INGLESA E A INTERAÇÃO NO MUNDO SOCIAL

 

                  O ensino de língua inglesa propicia ao aluno a oportunidade de engajamento e interação no mundo social (acadêmico, científico, tecnológico, humano), e também o faz entrar em contato com outras civilizações e culturas, competência enfatizada como um dos principais eixos do ensino. Para tanto é necessário incentivar o estudante, desde o princípio, a observar as diferenças de valores e costumes que permeiam a compreensão de textos, diálogos, histórias, mensagens eletrônicas, etc., podendo o entendimento dessas diferenças interferir de forma positiva ou negativamente na comunicação e harmonia entre os povos ou até mesmo entre os grupos sociais de um país, pois a linguagem é usada no mundo social como reflexo de crenças e valores. Esse enfoque interacional do ensino da língua inglesa permite uma melhor compreensão da importância da percepção da pluralidade cultural que hoje direciona o ensino de inglês. Além de comunicar-se em inglês, o aluno precisa inteirar-se dos valores que norteiam outras culturas.

 

O LADO EMOCIONAL DO APRENDIZADO

 

                 Aprender uma língua estrangeira significa ainda ter uma experiência emocional  de comunicação. Entender e ser entendido, não se sentir frustrado quando uma situação de comunicação se apresenta, sentir o progresso e vencer o desafio de ler, escrever e falar algo significativo em inglês - tudo isso pode conotar um crescimento pessoal muito positivo ... ou negativo, se não for bem conduzido. É útil e motivador para sua aprendizagem que o aluno tenha consciência, por exemplo, do quanto o idioma inglês já faz parte de seu cotidiano. Essa consciência da utilização do conhecimento da língua inglesa na vida real certamente torna o aprendizado mais próximo, familiar e eficaz. O aluno se tornará mais confiante e participativo ao verificar que pode realmente utilizar o idioma em situações do dia-a-dia, como ler um e-mail, escolher e analisar anúncios de empregos, desenvolver projetos envolvendo temas da atualidade (reciclagem de produtos, utilização racional de energia, clonagem), organização de exposições, competições, invenções e debates. O educador que compartilha do processo de aprendizagem com os alunos participa das atividades, troca idéias, motiva, questiona, inova, está antenado com as mais novas tecnologias, etc., leva os alunos a uma independência maior e à responsabilidade por seu aprendizado e atuação no mundo como cidadão.

 

REALIDADE DO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA NO PAÍS

 

              Infelizmente, o idioma estrangeiro é apresentado de forma segmentada e o aluno não tem meios de encaixar estes fragmentos em seu dia-a-dia. Além disso, falta material adequado e cursos que permitam melhorar a formação do corpo docente.

            Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a maioria das propostas educativas no ensino de línguas já oferece uma abordagem comunicativa, mas as atividades, em geral, ainda exploram a estrutura gramatical fora de qualquer contexto. Ou seja, a gramática é vista como algo desvinculado das situações de contato interpessoal e dos textos disponíveis na vida real (livros, revistas, internet, canções). O estudo de forma contextualizada é o melhor caminho porque oferece novas informações e idéias, revela elementos da cultura e amplia o vocabulário dos alunos. Em outras palavras, a educação deve estar inserida no mundo.

 

RUMOS PARA O ENSINO DE LÍNGUAS NO BRASIL

 

                  Proficiência na língua da comunidade global é hoje uma qualificação básica do indivíduo, tanto para sua carreira acadêmica quanto profissional.

                  Embora nosso Ministério de Educação já tenha demonstrado ter percebido o problema (veja Parâmetros Curriculares Nacionais - Língua Estrangeira Moderna) parece que nossa comunidade acadêmica ainda reluta em implementar as mudanças necessárias. Os ensinos fundamental e médio continuam inertes, atolados numa abordagem ao ensino da língua estrangeira quase igual à do início do século e carentes de professores proficientes na língua, enquanto os cursos superiores de letras no Brasil, formadores desses professores, continuam fazendo basicamente o que sempre fizeram, ou seja, tentando ensinar regras de gramática para alunos que, possivelmente, jamais irão aplicá-las. É preciso repensar o ensino de inglês na escola pública e mobilizar os professores a enfatizarem o ensino de leitura, pois na verdade a leitura é a habilidade de que os alunos irão precisar em suas vidas acadêmicas e é possível organizar um programa de leitura em língua estrangeira com sucesso dentro de nossa realidade.

 

MUDAR PARA CRESCER

 

                 O que se espera desta nova geração de educadores é que estes não perpetuem a linha tradicional de ensino, mas que busquem novas e próprias maneiras de ensinar.

                 Mudança é a palavra-chave nesta nova abordagem. Livro, televisão, música, jornal, computador e outros meios se integram em uma estratégia que favorece a interdisciplinaridade, a inovação, a criatividade e que valoriza o professor como protagonista essencial da Educação. É preciso envolver o aluno nestas novas atividades para que ele se sinta contribuindo com o próprio processo de ensino-aprendizagem. Muda o professor, mudam os alunos : certamente haverá mais interesse, participação e envolvimento por parte de todos.

                  O trabalho é grande e o desafio da inclusão da perspectiva interacional é  maior ainda,  já que no Brasil o inglês é considerado uma matéria “menor”, o que é reflexo de uma atitude autoritária e pequena das autoridades da Educação.   Cabe ao professor superar esta limitação e ampliar este universo de ofertas e possibilidades, oferecendo melhores  oportunidades de acesso a  línguas estrangeiras, de escolha dos próprios alunos, da escola e da comunidade.

 

O CAMINHO

 

                 O ensino da língua estrangeira não é um “território neutro” do saber, mas pode representar um campo fértil de atuação crítica, propositiva e democratizante. Afinal, é a área por excelência que permitirá ao aluno das classes populares o contato com outras culturas, uma abertura importante para acessar ao conhecimento universal acumulado pela humanidade. Isto, é claro, se os educadores tiverem a consciência da seriedade de seu trabalho. Ou seja, fazer o aluno ver que as línguas estrangeiras não são um obstáculo às trocas culturais, caso contrário o indivíduo estaria  isolado em profunda solidão lingüística - o domínio exclusivo de seu  idioma materno e os seres humanos, enquanto seres coletivos estariam condenados a desentenderem-se. E o que vemos hoje é um mundo globalizado, que nos permite o acesso à informação como nenhuma outra época.

 

                  A tarefa dos professores de língua estrangeira aponta justamente para este caminho: falar, confrontar, conhecer e ensinar línguas estrangeiras pode ser, para a maioria da população, e, especialmente para os alunos que freqüentam a escola pública, a oportunidade de intercâmbio cultural, o alargamento das  várias possibilidades de expressão e comunicação, justamente a sua janela aberta para o mundo. Fazer a “globalização à nossa maneira” requer encarar seriamente os desafios metodológicos do ensino das línguas estrangeiras na atualidade, diante da transnacionalização de povos e fronteiras, os intercâmbios em nível global e os desafios da chamada “era da comunicação”.  “Globalização à nossa maneira” significa também utilizar os instrumentos que estão ao nosso alcance numa perspectiva igualitária e de democratização do saber na educação brasileira e, neste caso, o ensino da língua estrangeira é um campo de conhecimento fundamental.

         Recuperar esta motivação junto às classes populares, ou reavivar-lhes o interesse cultural por outros povos é tarefa gigantesca a ser encarada seriamente pelos professores de língua estrangeira ao fazerem suas opções didático-metodológicas diante das contínuas mudanças de paradigmas pelos quais vem passando o conhecimento atualmente.

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